Como profissional que trabalha diretamente com famílias com filhos em idade pré-escolar, considero de extrema importância falarmos sobre o impacto que a exposição e o uso excessivo de ecrãs têm na aquisição e no desenvolvimento da linguagem oral e da fala da criança.
Não é preciso lermos os resultados dos últimos estudos nem das últimas investigações ou sondagens que têm sido realizadas em torno desta temática para sabermos que, nos últimos anos, houve um crescimento exponencial no uso e na exposição a ecrãs (televisão, telemóveis, tablet, consolas) pelas crianças. Basta olharmos à nossa volta e, facilmente, nos apercebemos do que se está a passar.
Relativamente a esta situação, que ocorre cada vez mais precocemente, será que temos a verdadeira noção do impacto que este excesso pode ter no desenvolvimento da criança?
As consequências do excesso e da exposição precoce aos ecrãs em idade pediátrica já se encontram descritas e são conhecidas por todos nós, nomeadamente: no sedentarismo ( a criança passa mais tempo “parada” à frente dos ecrãs o que reduz, significativamente, a sua atividade física), na obesidade (a exposição a ecrãs está associada a um aumento significativo no índice de massa corporal e a um maior risco de obesidade na infância e adolescência), na qualidade do sono (não só pelo tipo de conteúdos visualizados que são, muitas vezes, estimulantes, como também pela própria luz emitida pelos ecrãs que inibe a produção de uma hormona importante na regulação do sono; para além disso, as crianças perdem a noção do tempo que estão nos ecrãs, o que interfere com a hora de deitar e, consequentemente, com a hora de acordar), na visão (há evidências de que a exposição excessiva e prolongada aos ecrãs está associada a visão desfocada, sensação de olho seco, dores de cabeça e irritabilidade; acredito que, muitas vezes, estas queixas não são sequer reportadas aos pais pela própria criança), no desenvolvimento (os estudos e as investigações demonstram a existência de uma estreita relação entre a exposição excessiva aos ecrãs e a existência de atrasos cognitivos, de linguagem e alterações comportamentais nas crianças; referem ainda que, quanto mais precoce e prolongada é a exposição, maior é o risco de atrasos no desenvolvimento) e nas relações interpessoais (o excesso do uso de ecrãs tem impacto direto na relação pais-filho, pois interfere no tempo de brincadeira e de convívio entre os mesmos, o que se reflete, de forma negativa, no desenvolvimento da criança ; não menos importante, é também de salientar que surgem, muitas vezes, decorrentes desta situação, conflitos entre pais e filhos, o que leva a um desgaste da sua relação e, consequentemente, uma comunicação pouco saudável entre eles).
No que toca a crianças pequenas, até aos 6 anos de idade, existe, ainda, outra agravante ao uso excessivo, precoce e prolongado de exposição aos ecrãs e à qual pretendo dar especial atenção: a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral e da fala, nestas condições, podem ficar seriamente comprometidos.
Quando a criança está exposta a ecrãs, está a ouvir e a consumir, maioritariamente, de forma passiva, os conteúdos que nele estão a passar – tudo acontece aos seus olhos, sem que tenha de ter qualquer tipo de intervenção no que está a ver.
Há diversos programas e aplicações que se designam como educativos com as quais as crianças podem, efetivamente, apreender alguns conhecimentos em concreto (nomes das letras, dos números, das cores, de objetos, de personagens, etc). Outros, apresentam atividades em que é solicitado à criança que pense na resposta correta para determinada situação e/ou contexto e, outros, em que é dado tempo à criança para ela responder a questões que lhe são colocadas face a determinado contexto criando, assim, uma espécie de diálogo. Mesmo nestas circunstâncias, em que há uma preocupação em haver algum tipo de iniciativa/resposta por parte da criança, as investigações manifestam preocupação quanto ao impacto negativo da sua exposição aos ecrãs.
Não obstante o que esses programas e aplicações podem ter de positivo na aprendizagem de alguns conhecimentos pela criança, é preciso ter bem presente que nada substitui a presença de outro interlocutor no desenvolvimento da comunicação, da linguagem oral e da fala da criança. É na interação com o outro, no diálogo, na brincadeira que todas estas competências se desenvolvem.
Ao contrário do que acontece na comunicação, em que há uma troca de mensagens e uma interação com outro interlocutor, quando a criança está nos ecrãs, nada disto existe. A oportunidade da troca de turnos de conversação, o desenvolvimento das habilidades sociais presentes no acto comunicativo, o desenvolvimento da empatia, o olhar para o outro e perceber toda a sua comunicação não verbal, presente na expressão facial e corporal… Todas estas competências ficam comprometidas quando se “entrega” o desenvolvimento da linguagem aos ecrãs.
Sabemos que é durante os primeiros anos de vida de uma criança que ocorrem aprendizagens muitos importantes e significativas que, quando comprometidas, podem ter repercussões futuras. Cabe-nos a nós, adultos, ter a consciência de que o uso excessivo de ecrãs tem um impacto negativo no desenvolvimento das crianças e, como tal, adotar medidas para limitar esse tempo de exposição, por forma a não interferir no seu desenvolvimento, especialmente até aos 6 anos de idade.
Que tenhamos também presente que, em qualquer idade, o tempo de exposição aos ecrãs, quer seja excessivo ou não, é tempo retirado à brincadeira, ao convívio com os outros, à leitura, ao descanso, ao estudo, à aprendizagem e a comportamentos saudáveis.
Conseguir contornar esta exposição e uso excessivo de ecrãs em crianças de idade pré-escolar e escolar (1º ciclo do ensino básico), principalmente nesta época de pandemia em que estamos todos confinados à nossa casa (o que torna este desafio maior), será o tema do próximo post.
Não perca! Mantenha-se por aí!
Catarina Rios
Terapeuta da Fala